sexta-feira, 26 de março de 2010

Diálogo: No carro

Ele abriu a porta esquerda do carro, entrou, sentou e ligou o motor. Eu fiquei parada meio incrédula do outro lado, quando o vidro se abaixou e ele gritou: "Você não vai entrar?". Eu entrei.
Fiquei um pouco pensativa com isso e, assim, ele perguntou:
F: O que foi?
S: Nada.
F: Não, você está pensativa.Eu daria tudo para saber o que está pensando.
S: Quer comprar meus pensamentos?
F: Se estivessem à venda.
S: Por que não vender pensamentos aos curiosos? Pensar é intimidade, dividir pensamentos é dar intimidade.(silêncio). Qual a diferença entre vender pensamentos e vender o corpo, vender sexo?
F: Várias.
S: Ambos são íntimos, concorda?
F: Ehh.
S: E algo que ninguém pode retirar.
F: é, mas pode te obrigar a dar.
S: Sim, mas estamos falando de manifestação de vontade.
F: Hã.
S: Na verdade quando digo vender sexo, estou me referindo a moralidade e, conseqüentemente, à dignidade.  E a dignidade é algo que não se pode vender.
F: Por que você diz que vender sexo é vender dignidade? Se se faz algo por alguma necessidade ou motivo é digno. Sempre há dignidade quando há razões.
S: É verdade, mas para a sociedade, o sexo está atrelado ao moralismo, acho que pela educação religiosa presente, pois se você vende sexo, mesmo que seja motivado, mesmo que seja digno, ainda sim é imoral porque há outras formas de se obter alguma coisa, sempre há dois caminhos.
F: Neste ponto de vista sociológico.
S: Se pensarmos que o sexo é um ato do qual duas pessoas se aprofundam na intimidade a ponto de se introduzirem mutuamente formando uma ligação única que lhes proporciona prazer tão generoso, é porque há uma relação de confiança, certo?
F: É.
S: A mesma coisa o pensamento íntimo, que é algo somente meu ou somente seu. Quando eu começo a te dizer o que penso, estou te dando intimidade.
F: Você quer dizer que a partir do momento em que nós dividimos todos os pensamentos estamos fazendo sexo? (RS)
S: Por ai... (¬¬')
S: Tirando os casos de coação, todo mundo tem liberdade para fazer sexo com quem quer, na hora que quer da maneira que quer. É claro que se os dois quiserem, facilita um pouco. O pensamento também.
F: Então, vender pensamentos seria uma espécie de prostituição?
S: Os pensamentos íntimos sim. Se vender sexo em nossa cultura não é uma coisa aceita, porque vender pensamentos seria aceito, não seria indigno?
F: E os escritores? Autores e tais?
S: Eles não vendem seus pensamentos íntimos, eles vendem idéias. Pensamentos a que me refiro são os da intimidade, aqueles que só você pensa, e jamais fala pra alguém. A não ser que tenha procura... (rsrs)
F: Afe, você viaja.


(Stela e Fábio)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Eu me fiz assim

Eu me fiz mais mulher e hoje eu sou mais do pouco que fui. Eu me fiz mais sincera do que há tempo pensei que fosse e hoje sou mais. Eu me fiz assim e não me arrependo de voltar.
É bom evoluir, é bom crescer. Eu me fiz mais feliz pelo que me privei e agora senti.  Ainda bem que foi assim. Como gosto de ser o que tenho feito de mim!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Lamparinas barrigudas


Estava pensando no escuro e as lamparinas barrigudas desenfrearam a falar. Uma de um lado, a outra também, ao mesmo tempo, mas coisas diferentes. Eu gritei: "Meu ouvido não é pinico!", apontaram suas barrigas iluminadas para mim e continuaram. Bli bli bli, bla bla bla, não paravam , não paravam. Eu tentei não escutar, mas depois de um tempo foi impossível.  Algo sobre a Luzidéia, o filho da Iluminilda, a parenta do Luzidson, que é primo da Clarinete. Ahh também as idéias do Candeeiro, do pecado da Ilustrilde e outros que não me recordo.

De tanto ouvir as lamparinas barrigudas, meus pensamentos se foram e as idéias clarearam.

Foto: A avenida querida é Paulista!, 2005, P&B

quarta-feira, 10 de março de 2010

Divagações: o infinito, o ciclo e as bitucas


Eu ascendi mais um cigarro. Já se foram uns dois maços hoje e com isso meus pulmões também vão, como o verão em março, como o fluxo de um rio.
A ansiedade se acalmara, mas no fundo ainda estava aquele sentimento de euforia, que não passa com o tempo-agora, mas que só o tempo-depois resolve.
É de se notar a peculiaridade que paira sobre essa resolução, pois se apresenta no tempo como curado, mas que intimamente, onde o tempo não consegue se infiltrar, ainda está lá. Aquela brasa quente e inoperante, esperando um assopro pra incendiar. Insensível aos olhos humanos, mas notoriamente descoberto aos olhos dos olhos. Não se trata de uma “cura”, porque a doença é algo muito fisiológico que procura a razão, mas parece adequado didaticamente.
Não basta saber que sente. Em verdade, há sempre uma idéia de sentir e nunca um saber exato do sentimento, pelo menos sua dimensão é tão imensurável que as vezes se manifesta muito e as vezes, não. Proporcional ao quê? Eu não sei quais os critérios utilizados pelo... Pelo cérebro. Ou coração, se achar mais poético.
Sinto que esse sentimento seja infinito. Como as leis naturais, como a certeza da morte, como a certeza da dúvida, como os pensamentos. Mas resta saber quem é o infinito. Quem conflita com a razão, porque já a encontrou. O ciclo. Quem ou o que se esconde atrás das lentes do sentimentalismo.
Um retrato flácido, o desgosto adiado e o afoito do inesperado. Figuras típicas das horas que se conta na vida, figuras que entrelaçam as emoções e os prazeres como crochê, mas que no final não irão virar uma blusa, e sim um nada moral.
Há dois caminhos: seguir e prosseguir. Eu achei uma chave sem dentes, mas os outros também. O fato de a porta estar aberta, só aumenta a vontade de ascender outro cigarro. Ela estava aberta para um penhasco falso. Porque depois de cair, percebe-se que o sentido do penhasco era dar retorno ao infinito. Porque prosseguir? Porque não há opções mentais.
E as outras pessoas? O que elas fazem? Elas me deram diversos mecanismos para seguir em outras direções, mas no final, todos sabem descrever muito bem as sensações de pular.
O mesmo tempo que dura este cigarro a queimar, os mesmos milésimos de segundos que, se contados em câmera mais que lenta, purificam a doença, serão o tempo a durar a “neutralização” dos sentimentos, depois que passado o penhasco.
Ficam presos nas brasas e que muitas vezes, de tanto recalque, nunca mais virão a serem chamas. Por um lado é bom, porque adia pensamentos anti-mim-mesmo, mas por outro, só aumenta o penhasco próximo.
Deixar-se inserir um sentimento em seu ser, não é somente uma doença passageira. (Antes já digo que há patologias que fazem sorrir e outras que fazem chorar, eu me refiro as que se escolhe escolher.) É uma escolha feita para toda a vida, porque por mais que tenha apagado a fogueira, no miolo sempre sobrarão brasas, porque constituem o infinito, porque o infinito é tão perto quanto longe.
E o que eu faço com essas bitucas? Ou com os restos de sentimentos? Em um post anterior eu, mais feliz, fiz um mosaico. Agora, eu prefiro pensar que esse infinito cíclico é só mais uma brasa em expectativas do querer que cairão em suas essências, serão neutralizados pela dor da queda e ficarão armazenados em um cinzeiro, até que sejam resgatados, ou não.

Foto: "Cutuca a Bituca"; Shopping Frei Caneca; 2008.