sábado, 26 de junho de 2010

Poeminha


Meu amor é poesia
e só a poesia
um papel.
não há pulsação, não há coração.
Só há poesia, melancolia
e um teatro de letras.






Foto: "Olhe pro lado", 2010, Santos

domingo, 13 de junho de 2010

Das fases


A percepção

Escutei as reclamações de dentro
e protegi as palavras do vento.
Tudo para que os queridos faltosos
não dessem com efeitos supostos

Mas a vida é tão previsível,
que fingi não acontecer o acontecido
e do humano, o imperceptível.
Tapei os olhos e fechei os ouvidos

A insanidade

Calei-me pelos segundos tortuosos
e escutei o ranger dos meus batimentos,
antes fosse pelos olhos virtuosos
que seriam formas do renascimento.

Mas as batidas careciam de ar,
tomados pelo molesto torpor
procedido dos olhos negros
que causaram tanta dor.

-Atira-o à morte! Eles me disseram.
-Como mato um sentimento?
-Enfia a faca e torce
como um só juramento.

Crendices

Mas jurei não sentir outro igual,
uma jura com toda incerteza.
Porque em verdade sou mortal
e quebrá-la não seria surpresa

E se de fato eu tiver que escutar
e arrancá-lo de meu peito?
O que sobraria em seu lugar?
Senão o vazio de seu leito.

A questão

Oh dúvida que paira pelo poema.
O que as palavras fariam em meu lugar?
Se o arranco de mim, sem mim vou ficar,
se o mato em mim, a mim vou matar?

O sentimento é meu,
E eu sou do sentimento.


Eu fiz figa pra não tê-lo.
E agora o sinto como propriedade.
Credo em cruz que maldade!
Mas em mim não agüento retê-lo.

A falsa paz

Peguei duas rezas e apertei as mãos.
Pedi ao tempo aquela calmaria.
Caiu as lágrimas de quem acredita.
Segurei o soluço do coração.

Respirei profunda a convicção
e abri os olhos e destapei os ouvidos.
Meus batimentos não mais eram sentidos
e o conformismo me deu as mãos.

Fui lá fora sentir
e mentir que eu não sinto.
Deixa o tempo vir matar
o que não mato e finjo.

A Dor

Foto: "Leia-me", Nayara Oliveira, 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A liberdade do sentimento e a escravidão do pensar


Você pode sentir o frio, você pode sentir o calor, você pode sentir a poesia em seus lábios, o vento tapear seu rosto e sentir saudades da brisa do mar, porque é livre junto com o mundo. Você pode voar a bordo de um pequeno coração alado. Pode fazer o que bem entender da vida e pode escolher para onde seus olhos irão direcionar. Mas a liberdade tem um custo: a escravidão dos pensamentos.

Ficam retidos na lembrança, limitados no pensamento do pensamento, acondicionados na memória remota das coisas que foram importantes, mas que não foram notadas, como a maneira que a mulher grávida te olhou ou o porquê daquela pessoa estranha te defender, sem saber qual sua cor favorita. Seu pensamento não te acompanha, fica matutando o que já foi pensado, fica decifrando o código que não tem lógica, fica a racionalizar o coração.

Controlamos nossas escolhas? Qual liberdade é mais importante: a do sentir ou a do pensar? Ou as duas são a mesma em máscaras diferentes que se apresentam em carnavais distintos? O fato é que pensamos que podemos sentir, quando na verdade já sentimos involuntariamente ou sentimos quando podemos, mas na verdade já pensamos antes de poder.

Meu sentimento é livre, mas meus pensamentos não. Sigo em busca de alforria ou de outra escravidão.


Foto: "Tic", 2009, em uma rua de S2P

terça-feira, 1 de junho de 2010

O domingo de romance

Eu não entendi muito bem porque ela estava falando da diferença entre o sentimentalismo convincente e o realismo sentimental. Pra mim, aquelas palavras não faziam o menor sentido. No entanto, eu olhava aqueles olhos castanhos perfeitamente alinhados, os cabelos médios repicados de leve, que vinham até metade do seio milimetricamente desenhado, a boca carnuda desidratada, as coxas grossas, porém pareadas, os dedos retinhos, o cheiro de alfazema, um corpo genial.

Mal podia eu pensar que estaria com ela assim,nos meus braços. O ônibus balançava muito e era uma ótima oportunidade para mostrar que ela podia se apoiar em mim.
Foram apenas alguns minutos e meu pensamento a tratava com toda eternidade de sentimento. Eu queria casar com ela. Sim, naquele instante era a mulher da minha vida. A luz do sol refletida em seu semblante me mostrava que não havia outra alternativa. Eu a amava diferente do que já amei.


Eu sabia que ele não estava prestando atenção no que eu estava falando e que não tirava os olhos dos meus seios. É, os homens tem essa feia mania,mas se eu fosse me ofender com tudo... Eu me sentia tão sozinha e ele apareceu tão disposto. Disposto a quê? Só podia ser sexo, como todos. Mas era diferente. Eu vi, quando me abraçou, figindo me segurar, tirando uma casquinha do meu perfume. Confesso que me senti segura e o cheiro másculo de seu pescoço me incentivava a continuar.

Não sabia exatamente onde ele estava me levando. Não sei como confiei em alguém que há pouco conhecia, mas tudo era tão vivaz e o meu sentimento de vivências, me fazia destemida. Paramos em um lugar muito grande e esverdeado. Já sabia onde eu estava, em um belo horquidário. Vimos pássaros e árvores e o ar puro de sentimentos não tão puros assim.


Ela ficou feliz em ver as orquídeas. Toda mulher gosta de rosas e orquídeas. Sei que ficou impressionada quando eu peguei um ramo e acariciei seu rosto. De olhos fechados, ela dizia que eu estava quebrando a barreira que toda mulher impõe. Ela tinha que ser minha.

Ele pegou em minhas mãos.

Ela ficou apreensiva, senti. Fui chegando perto.

Ele foi se aproximando, aproximando. Até que me beijou.

Então eu a beijei. Não aguentei. E fui beijado de volta.

Não resisti. Tive que beijá-lo também.


Até que o sol se pôs. Tarde Linda, linda tarde. Estavamos felizes e tristes. O dia acabou. Apertamos as mãos, nos abraçamos e fomos embora. Sem nunca mais se ver, sem nunca mais se ter. Sentindo a intensidade de um romance de um dia, mas sentindo a frieza de um romance moderno. Os domingos nunca serão mais os mesmos.


Quem é ela? Eu não sei.
Quem é ele? EU não sei.