quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Lírios à Laura

Já faz tanto tempo, mas ainda bem me lembro, dos assovios na beira da pia, do leite morno na caneca marrom.Cabelos brancos, banguela de dó, trapinho rosado, vestido queimado do fogo do fogão. O pão duro na mesa, seis horas da manhã, a salsicha barata, com aquele feijão, tempero divino que a pobreza ensina, à realeza dos embutidos finos.

Penteava meus cabelos, toda trançada. Sapatinho limpinho, mesmo depois do barro. Mal podia demorar no banho, era um grito gentil e eu gritava que água não esquentava, mas ela sabia que brincava de karaokê. Uniforme escolar, material inspecionado. Nem sabia ler ou escrever "higiênico", mas sabia que pra mim, era importante estudar.

Quando chegava a noite,depois da escola, eu trazia uma florzinha murcha e roxa, furtada da escola, ela dizia "bobagens". A noite, eu mal me despedia, porque sabia que no outro dia seria tudo outra vez, se eu soubesse que ela era humana, nunca me desgrudaria.

De todos as formas, o lirismo. De todas as flores, os lírios. De todas as boas, a áurea. De todas pessoas, Dona Laura.

Chegado a primavera e a saudade de há tempo.
A flor dos poetas e do canto.
Lírios aos anjos.
Lírios à Vó Laura.

sábado, 19 de setembro de 2009

Um pote de estrelas

Tah, eu sei que estou escrevendo textos muito longos e cansativos, mas esse é o último, quase prometo...


Estela discou o número que estava na sua agenda, um número quase qualquer. Fábio atendeu:
- Alou?
- Você está em casa?
- Estou, por quê?
- Pode vir me encontrar na estação?
- Você está aqui? Quando voltou?
- Estou esperando nas catracas. – Desligou.
Deu cinco longos minutos e ele apontou na entrada. Estela esperou ele passar e tocou em seu ombro. Fábio meio surpreso olhou displicente e confuso:
- O que está fazendo aqui? Você não estava em...
- Tome, é pra você.
- O que é isso?
- É um pote de estrelas. Recolhi na noite de Santa Rosa do Viterbo, peguei uma por uma, agreguei neste pote de mel vazio e trouxe para você. É o meu pedido de desculpas. – Ela o olhou com tanta doçura que as pessoas poderiam dizer que era o próprio mel fora do pote.
- Mas você está desculpada! Não precisa pedir desculpas, já passou, não me importo, está mais que desculpada.
- Não aceito suas desculpas em palavras. Palavras são retribuídas com palavras, gestos são retribuídos com gestos. É uma mania engraçada do ser humano, banalizar as coisas. Desculpas são pedidas e dadas a todo instante, mas nem todas têm a real intenção de retirar a culpa. Veja, ontem eu quase pisei no pé de uma mulher, sem pensar eu disse: Desculpa. Uma máquina faria a mesma coisa. Hoje um homem trombou comigo e doeu muito, ele disse: desculpa. Diga-se de passagem, que nem olhou pra mim. Eu disse: não foi nada. Mas na verdade eu fiquei dolorida e chateada. È costumeiro pedir desculpas, fácil demais, placebo da moral. No entanto, esse não é o objetivo das verdadeiras desculpas. Eu te deixei duas vezes, eu te enrolei como papel, eu não fui sincera. E você, pelo contrário, a toda hora me procurou, mesmo tendo a aspereza de uma parede em sua frente. Estas são minhas desculpas. Pense, quando tiver me desculpado nos encontramos e conversamos, tenho que ir pra casa.
Ele não entendeu nada porque ela falou muito rápido e ele não estava raciocinando muito bem. Ela foi e ele ficou. Embora sua vontade era de não deixá-la escapar, convidá-la pra tomar uma chá e escutar o álbum branco de cabo a rabo e de rabo a cabo duas vezes, mostrar suas artes pra impressionar e a caneca do pequeno príncipe que comprou, apenas saber a idade dela ou seu sobrenome, ou qualquer coisa que se sinta. Sabia que demoraria muito tempo a vê-la novamente. Aquelas desculpas eram melhores que um buque de rosas, era grande demais pro nada que eles eram, mas que poderia muito ser, eram as estrelas na sua barriga e não no pote ou era o pote nas suas estrelas, ele não sabia.
Saiu correndo, pulou a catraca e caiu na escada rolante. “Quase quebra, Meu Deus!”. Levantou, mas quando chegou na plataforma, só o eco sonoro dos trilhos estavam presentes. Ele olhou as estrelas em suas mãos e desejou ter tido luz própria.
Não sabia aceitar desculpas sem ser com palavras. Voltou pra casa com seus botões, pegou dois exatos grãos de feijão, deu um beijo em cada um. Pegou uma nuvenzinha de algodão, acomodou-os com todo carinho, pingou água até encolher, na medida do coração. Ali ficou olhando e com as mãos juntas e apertadas começou a cantar: “Me leva amor, amor, me leva amor, por onde for quero ser seu par...”.

domingo, 13 de setembro de 2009

Romance Moderno

Para falar de romance hoje em dia, necessariamente, se começa dizendo: "Ah, sei lá!Nós estamos saindo, ficando, se divertindo...". E assim acaba a frase daqueles que estão apaixonados e jamais admitem, daqueles que estão pegando, daqueles que amam, daqueles que não tem nada melhor pra fazer, daqueles que estão em dúvida da sexualidade, daqueles que estão carentes, daqueles que só querem fornicar. Mas todos estão a procura de um romance.

Romance, uma palavra tão ampla que, em sumo, pode ser definido como "ter uma relação amorosa" ou como "um gênero narrativo". Mas um romance tem uma conotação mais subjetiva, mas individual, onde cada um dá o seu sentido à palavra, porque cada um vê o romance de uma maneira.

No entanto, pelo menos pra mim, a palavra romance me faz lembrar os olhares no baile, a valsinha de rosto colado, o coração desesperado de tanta emoção. Conceitos antigos que bastaram ser vividos pelos meus avós e por mim mas telas de um cinema em p&b ou nas páginas de uma Jane Austin. Dá pra sentir o gosto...

Agora, junto com a era miojo, criamos o romance moderno. Que não foi só readaptado, mas também modificado. Hoje, todo mundo vive vários romances instantâneos e momentâneos, com várias pessoas ou sozinhos. Extremamente intensos, mas vazios. Sem correntes ou apegos, mas com muita intimidade, intimidade sem casamento. Sem cobranças de fidelidade, mas com uma conta alta no final do mês. Tudo muito livre, muito moderninho.

Eu acredito que a minha geração é uma grande bola de carência, que não ensinaram a esperar, a conquistar, ou a fixar.Totalmente perdidos, sim, nós estamos.

Romancear é fazer arte e, é claro, faz p.arte da evolução da nossa vida. É tão arte como a pintura ou a música, que vive seu lado contemporâneo, modernista de ser. Por isso se vê romance numa tela de Gaudí ou na música do Daft Punk.

Não há frase mais estranha que "não temos nada mesmo" digna de um romance moderno. Agora, como não há nada, se já se fez de tudo?! Há, sim, a insegurança. Não entendo, mas compreendo. E o sistema roda, gago e sem óleo, mas roda. Até encontrar sua identidade.

Carência, falta de tempo, valores a vida, amigos e diversão. Não generalizo, muito menos faço de mim uma questão. Mas é só dar uma volta por ai pra olhar nos olhos das pessoas que elas te dirão o conceito de romance moderno.

Enquanto isso, na lanchonete, eu faço meu romance modernista até encontrar uma métrica.


Para Damaris, minha dama.
Para Kika, minha querida.
Para os meus amores de todos os gêneros.

sábado, 5 de setembro de 2009

Ela, Ele e o elo

Ela parou e ficou olhando o seu inverso. Talvez lá estivesse resposta para tanto sentimento e pouca afinidade. Ele era totalmente controverso de tudo aquilo que ela imaginara, bem longe das medidas e dos padrões irregulares de sua cabeça, bem longe das suas convicções, daqueles que se ignora numa seleção natural. Mas era Ele seu tomador de suspiros, era o pescador de seus sorrisos, era o cancioneiro atrevido, que irrita e não se consegue parar de escutar.

Talvez fosse o cabelo de fogo dele que não combinava com o seu cabelo Bombril, ou as calças coloridas que não combinavam com suas saias pretas, somente o all star branco se identificava. As músicas se contrapondo, a literatura barroca e realista, uma briga entre sofistas e platônicos. Mas sempre depois da briga Ela o domava e o adorava. Ele fingia ficar bravo e se deixava, e os dois, diferentes, tornavam um só organismo depois de uma guerra mundial.

Ela era toda crua e inexperiente, fingia saber de Almodovar e Bauhaus, e decorou alguns números de lentes, dizia que as artes não são somente os olhos e sim os membros, mas mais o que eles sentem do que eles propriamente, mas isso, só pra impressionar. Leu tudo nas revistas e nos livros, mas vida que vivida, só viu pela TV. O salto alto era pra dar ênfase a essa máscara, assim como os ombros de fora e a maquiagem de artista. Porque fazia isso? Porque a sociedade assim a criou. Mas no fundo ela era pura e crua, como o barro que nunca foi tocado pelas mãos de um nobre artista.

Ele já se sentia velho, já se preocupava com as rugas e cabelos brancos. Já tinha pensado nas suas raízes, na velhice, na diferença entre as raças e no pensamento humano. Estudou as filosofias e as artes, fez monografia e subiu no palco. Cantou numa banda de rock e saiu no carnaval. Comprou uma bicicleta e fez moicano. Estudou música clássica e viu um clássico. Passou pela morte de sua mãe. Comprou muitas coisas e não usa sapatos. É professor de russo, mas gosta das tequilas. Ele era tudo isso mesmo, não precisava impressionar, no entanto, muito perdido. No fundo era como aquele velho LP só reconhecido pelos vintages escassos.

E os dois se encontravam nas esquinas e nas planícies, tomavam café pra papear. Trocavam figuras que inventavam e criava poemas pro tempo passar. Era Ela, era Ele, diante de uma circunstancia, eram os dois comendo macarrão. No museu rindo, fingindo a leitura, comendo pipoca assistindo Faustão. Não havia coincidências ou igualdade de pensamentos, crises conexas ou situação, só havia um tênis e uma fotografia, só havia um Elo: o coração.