quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A história de Gilberto Passos

Estava 32 graus numa terra bem pertinho do inferno, porém com cara de paraíso. A praia estava lotada e bonita, pessoas desfilando com suas banhas e sorrisos, os cachorros paquerando as cachorras e os passarinhos fazendo pose pra foto em cima de uma mangueira. Um cenário normal e sem beleza para Gilberto Passos.

Gilberto Passos nascera e crecera com areia nos pés, porém odiava se sentir um empanado. Ele sonhava com a capital e com o metrô. Não ligava pra ciclovia e nem pro jardim. Gostava da lua e não do sol. Gostava do inverno. Seu rosto cizudo já dizia seu mal humor, alto e metido, porém seu nariz de batata o denunciava.

Saia de casa as 10 horas da manhã. Terno e gravata, com o vade mecum em uma mão e na outra o cartão de transporte. Onibus lotado, gente fedida. Velhos por todo os lados e crianças barulhentas. Era torturante, era cotidiano.

No estágio, o advogado mandou que ele fosse pro fórum, protocolasse mil petições, olhasse cinco mil processos, fosse em duzentas audiências e antes de tudo fizesse uma resenha do livro de 700 páginas e 7 mil peças pra parte da manhã. Ele não sabia quando iria respirar. Suas fussas enrubreciam de raiva. Mas era um excelente estagiário, era um ótimo aluno e não admitia que as pessoas lhe fizessem mal juízo.

Não aguentava mais aquela vida, no entanto não conseguia se ver fazendo outra coisa. Não podia abandonar tudo que estava lutando e sua mãe não te incluiria na herança. Os cabelos brancos na pouca idade, as olheiras fundas de insônia e a curvatura nas costas curcundas me diziam que ele não passava de um garoto infeliz.

Naquela noite estava muito abafado, demasiadamente insano perto do normal. O professor estava entregando as notas. Gilberto Passos ficou arrasado quando viu sua nota: 7,00. "SETE", ele gritou. Ficou indignado, saiu batendo os dentes e rasgando o verbo pra falar da mãe do professor. Não admitia nota mais baixa que 10,00.

Parecia que tudo estava errado, que o mundo girava ao contrário, que as pessoas tinham se virado de costas, que Deus tinha se esquecido dele, mesmo ele não acreditando em Deus, que a natureza odiava. Chutou a catraca e começou a gritar na rua:
- Deus! Seu idiota, eu sei que você me odeia. Eu sei! Seu filho da mãe, como pode fazer isso comigo. Eu te odeio, vou te processar, vou tirar suas calças!

Neste exato momento, começou a chover. Do outro lado da rua, lá estava ela. Linda e loira. Vestido florido e havainas no pé. Ela era a Carolina. A chuva a pegou de surpresa também. Ela sorriu. Estendeu a mão pro céu, fechou os olhos e deixou as gotas delicadamente tocarem seu corpo, contornado suas curvas e encobrindo-a de prazer. Ele ficou paralizado olhando, hipnotizado.

Ela olhou pra frente e o viu. Sentiu uma atração e uma piedade ao olhar aqueles olhos amargos. Foi em sua direção. Ao se aproximar ele continuava parado, como se fosse um sonho, tentou disfarçar, porém não sabia onde colocava os olhos. Ela segurou as mãos dele e as colocou em seu rosto rosado. Colocou suas mãos no rosto vermelho dele. Olhares fixos. Ela deu-lhe um beijo no rosto e disse: Deixe a chuva lavar seu coração. Ele não conseguia pensar. Ela foi embora e ele ficou. Quando a chuva parou, ele conseguiu sorrir.

2 comentários:

  1. Ai que lindo amiga... vc é tão inspirada!!! Te amo

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  2. ahhh...muito legal
    a vida sempre nos ensina lições desse tipo, não é mesmo?

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