E de repente eu vi o moço parado em frente a porta magnética, esperando que ela abrisse para entrar no trem. Foi um passo com o pé esquerdo, os olhos procurando um assento disponível e os meus olhos procurando uma atenção nos seus. Todo de branco, como se fosse o médico que iria curar a minha doença, acho que foi isso que eu vi naquela hora, uma cura. Mas não é plausível atribuir ao branco a cura das doenças da cabeça. Não se sentou, não havia mais lugares, de modo que eu o via, descaradamente, pelo reflexo da janela. Ele nem se sentiu incomodado por estar sendo vigiado, talvez nem sabia. Dizem que os anjos não ligam pra vaidades.
A mulher do meu lado, bem percebeu a presença do jovem e nem se deu o trabalho de olhar pela janela. Ela tinha os cabelos brancos e engomados, como se fosse dia de festa. Na sua mão um lenço cor amarelo cobre com missangas azuis e vermelhas. O sapato de dança de salão, mas se via que nunca tinha dançado na vida. Os olhos juvenis se deliciavam com o mero deleite, a sensação de vida com a paquera, era mais um sono gostoso de juventude anonimada.
O homem que me olhava - e eu só fui perceber depois - sacava meus pensamentos, mas eu sacava mais os dele. Ele estava triste e desolado com a mulher, sabia que ela não gostava mais dele e estava procurando uma outra distração. Mas ele sabia o motivo, trabalhava demais e com o passar do tempo não sabia mais voltar pra casa e sentir-se a vontade. Olhava pra mim como se eu pudesse sair correndo com ele e mudar de vida, via em mim a esperança de uma vida toda pela frente, mas mal sabe ele que...
O menino que entrou de mãos dadas com a mãe estava muito feliz por estar ali. Não tinha espaço pra sentarem e por isso ficou brincando de surfar com o andar do trem, olhava pra mãe como quem diz "olha mãe, eu consigo ficar sem as mãos!" e quase cai quando o trem parou bruscamente. A mãe olhou dizendo: "Tah veno, eu falei pro cê segurá, vai caí menino". Ele riu porque não tinha caído. eu quase fui brincar com ele, mas já não teria a mesma graça.
"- Estação Paraíso." O maquinista gritou. Todos desceram, até o homem que me olhava, até o moço de branco. Os outros figurantes iam descer na Luz ou na Saúde, eu não sei. E eu fiquei sentada esperando a Santa Cruz chegar.