terça-feira, 19 de maio de 2009

No ponto de ônibus

Sai de casa pra procurar algo elementar, algo que fizesse com que eu sentisse calor. Obviamente não o sol, mas algo que sofresse de ostracismo ou que soubesse falar da vida. Mentira, eu sai de casa pra ir pro trabalho também. Mas isso era só um detalhe sórdido.

Era longa a caminhada até a esquina, mas era só virar pra esquerda e parar no ponto em frente a padaria. Estava lotado, cheio de gente por todos os lados, disputando milimetricamente a visão e o quadrado. Não tinha espaço pra mim ali, não tinha espaço pros meus pensamentos.Um ônibus chegou, ia pro centro. Como macacos, subiram alguns tantos se juntando aos montes já enlatados. Foi embora de maneira que a primeira marcha reclamou de tanta dor, mas depois obedeceu ao pé do motorista.

Os carros, folgados e apressados, mas sozinhos tentavam correr inutilmente com seus ternos e sapatos de couro de cabramacho. A mulher do meu lado, conseguia ser mais alta. Era bonita, mas eu sabia que ela estava procurando um namorado, porque olhava mais pros rapazes do que pra direção do ônibus. Não a condeno, sofrer de solidão dói mais que aguentar o salto alto no final do dia.

O 77 chegou e, da mesma forma que o outro, tinha braços e cabeças pra fora das janelas. Eu nem me arrisquei a subir. Aquilo não era o que eu estava procurando e nem deveria ser o que eu deveria achar. Deixei passar e esperei o próximo.

Com os passar do tempo o ponto foi esvaziando e eu mais no quadrado, me enquadrando. Até que eu fiquei só. As horas nessas horas não são a coisa certa a ver e não eram elas que me ajudariam quando eu chegasse ao trabalho. E de repente eu entendi o porquê que eu não estava irritada, porquê eu sentia frio e porquê eu não fui embora.

Um filhote de árvore plantado na sua cerca estava no meu lado. Por pouco pisoteado, verdinho que dava pra ver a clorofila passeando por entre suas novas veias, fraquinho que precisava de um pedaço de pau pra crescer. Não estava ali porque queria pegar o ônibus pra ir trabalhar. Nem as pessoas que ali estavam queriam fazer companhia pra ele. Nem eu que estava atrasada tinha percebido sua presença.

Pulei a cerca e fiquei fazendo fotossíntese com ele. Um diálogo interessante. Não demorou e me livrei dos casacos e estendi o braço apontando o dedo em direção ao outro lado da rua. O ônibus parou cheio de ar, eu subi. Meu patrão, que estava com frio, não entendeu minha posição. Azar o dele, que não sabe falar da vida.

4 comentários:

  1. É, são poucos que conhecem esse linguajar, falar da vida é como falar de nós, sempre tem algo a contar, mas nem todo mundo quer escutar, azar o deles que não querem ouvir o que se tem pra contar, porque além de contar a vida, se compartilha amor, se divide vida.

    Obrigado por me fazer sentir bem vindo, e seja, pois, muito bem vinda ao meu cantinho para se expressar quando quizer.

    Um grande abraço.

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  2. Expressar sentimentos é vida, quem não se expressa não sente.
    Perifeito!

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  3. Nossa, Nana! Que narrativa linda você fez!!! Viu só? Eu disse que com a prática ficaria cada vez melhor; na verdade está ótimo!

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Deixe sua alegria após o sinal, biiiiiiiip!